sexta-feira, 3 de maio de 2013

"Cartas a um amigo sobre a vida espiritual": meditações de Enzo Bianchi, prior do Mosteiro de Bose


Começa a caminhar (vol. I)
Excertos

A realização de ti mesmo, daquela precisa imagem e semelhança com Deus que cada um de nós é, não é algo de automático, mas exige um trabalho. Trata-se de um trabalho interior, invisível mas nem por isso menos fatigante que outros trabalhos; e muitas vezes é, pelo contrário, muito mais fatigante e temível porque nos faz correr o risco de colocar diante de nós a realidade que nem queremos ver nem compreender.
Sim, a vida interior exige coragem. É como iniciar uma viagem, não tanto em extensão quanto em profundidade, não fora de ti mas dentro de ti. E a dificuldade que podes encontrar nos inícios, perante a paisagem interior desconhecida, pode-te desencorajar e revelar-te que talvez precisamente esta seja a viagem mais longa e árdua, ainda que nunca te obrigue a percorrer um quilómetro.
Precisas de coragem não só para te interrogares, mas também para te deixares interrogar ou assumires os eventos da vida com perguntas que te são dirigidas: a doença que atingiu a vida de uma pessoa querida, a morte repentina de um amigo, o casamento de um conhecido, um nascimento que alegrou um casal amigo, e também os eventos quotidianos, menos vistosos ou aparatosos, mas formando a trama dos nossos dias...
Trata-se de vida ou de morte, de alegria ou de sofrimento, que são sempre ocasiões para pensar e para refletir sobre o que é verdadeiramente sério e importante na vida, portanto sobre aquilo que se pode fazer para que a vida mereça ser vivida e sobre o que pode dar sentido também à nossa vida.
Coragem: não temas; este trabalho espera por ti. (...)
O desejo de Deus colocado no coração do homem é inextinguível. Santo Agostinho, como poeta que era, soube descrevê-lo como poucos: «Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração anda inquieto até que não repouse em Vós!» (...)
O clima atual faz de tudo para esvaziar esta procura de Deus: o homem de hoje «encontra-se não apenas privado de Deus mas também sem o homem» (Claude Geffré). Ele encontra-se perdido na ausência de certezas, arrebatado por um absurdo caracterizado mais pela multiplicação dos sentidos que pelo não-senso. Em tal contexto, quer encontrar-se com Deus imediatamente, evadindo-se em práticas de cura, reduzindo a oração a uma injunção: Deus deve satisfazer a necessidade do homem. (...)
Mil coisas, talvez até boas em si mesmas, vêm retirar a nossa atenção no Senhor e nos parecem ser mais importantes do que aquele pouco tempo que gostaríamos de dedicar a escutar o Senhor e a falar-Lhe face a face, como um amigo com o Seu amigo.
É a tentação mais quotidiana, talvez a mais perigosa, porque parece salvaguardar um aspeto marginal da vida cristã: no fundo, até te dás conta quando dizes, se não rezo agora posso sempre rezar num outro momento, posso concentrar-me sobre a palavra de Deus quando estiver mais tranquilo, após ter resolvido aquele problema urgente... É uma tentação antiga, que todo o crente antes ou depois conhece. (...)
Dietrich Bonhoeffer, preso numa cadeia de Berlim pela Gestapo, afirmou: «O nosso ser cristãos hoje consistirá somente em duas coisas: em orar e em atuar naquilo que pode ser considerado justo pelos homens.» A vida cristã reduz-se a estes dois aspetos inseparáveis: a oração e a ação justa entre os homens que nos seja possível. (...)
Ouso dizer que o cume da [oração de] intercessão não é constituído tanto por palavras sobre os outros dirigidas a Deus, mas por uma vida que se põe perante Deus, na posição do crucificado, com os braços estendidos. É bom de ver: existe uma estreita reciprocidade entre a oração pelo outro e o amor ativo por ele.

Enzo Bianchi

terça-feira, 30 de abril de 2013

Os poderes da inteligência espiritual - Autotranscendência

O ser humano é transição, caminho, itinerário busca  daquilo que ainda não é. Não se contenta com o que é. Aspira vir a ser o que ainda não é. A autotranscendência é o motor da vida humana, o impulso vital que a leva mais além, que a leva a superar-se, a entrar em novos mundos, para viver mais plenamente, mais intensamente.
(...) a vontade de se superar, de transcender não só as coisas como também o ego, não emana do plano físico nem das impressões do mundo externo mas sim do fundo do próprio ser. Ao se transcender, cada um deseja ser aquilo que ainda não é, aspira a ultrapassar as barreiras do próprio ego  para  assim  se reencontrar com os outros e consigo mesmo num plano mais profundo. O desejo de preencher uma carência  fá-lo dar o máximo de si mesmo.
O movimento de transcender é um movimento de superação, de inovação e criatividade o que explica o desenvolvimento vertiginoso da espécie humana no mundo, a sua vontade de entregar-se a causas que superam os seus próprio limites corporais.

                                                                        Torralba in Inteligência espiritual